Antes de me instalar frente à secretária abri a janela orientada a
poente, na esperança de que a luz cortante do final de tarde afilasse o
contorno dos objectos e facultasse o contraste essencial entre a poeira
errante e a nuvem disforme dos meus pensamentos soltos. Com um movimento
rápido afastei tudo o que cobria a superfície da mesa e sobre ela
dispus três folhas brancas, perfeitamente limpas, lado a
lado, conformando uma fina linha de distância entre si. Depois
sentei-me, fitando-as.
E fiquei.
Quedei-me imóvel a mirá-las até a luz
fraquejar, as cigarras cessarem o seu serrar fino e a brisa cálida ceder
espaço ao exaltar da pele. Fechei a janela. Esperei mais um pouco. O
branco da folhas esmoreceu e desistiu, a poeira solta pousou sobre elas,
adormecendo, e até mesmo a nuvem amorfa de pensamentos se ausentou.
Fui embora, fechando a porta atrás de mim.
Sem comentários:
Enviar um comentário